segunda-feira, 4 de maio de 2009

Influência protestante no espírito e nos documentos do Conc. Vaticano II





Conferência do Sr. Padre Franz SCHMIDBERGER

no Simpósio de Teologia em Paris, outubro de 2005.


Nossa exposição divide-se em 4 partes:

1ª Resumo da posição protestante;

2ª Presença dos protestantes no Concílio Vaticano II;

3ª Influência protestante no espírito e nos documentos do Concílio;

4ª Escorço sobre o pós-Concílio e conclusão;


I. RESUMO DA POSIÇÃO PROTESTANTE

1. O ponto de partida do protestantismo, sua base filosófica e teológica, é sem dúvida a concepção de Lutero acerca do pecado e da justificação.

Para ele, corrompeu o pecado totalmente a natureza humana, não há sequer liberdade moral. Assim, nada encontra a graça de Deus que curar, transformar, divinizar, limitando-se tão-só a uma declaração exterior: Deus encobre o pecado com o manto dos méritos de seu Filho, não imputando-lhe de pecado, contudo o pecador conserva sua natureza corrompida.

2. De tal parecer do estado da natureza decaída, decorrem os 4 soli de Lutero:

a) Sola fide: salva-se o homem só pela fé; notem que, entre os reformadores, concebe-se a fé enquanto fé confiante nos méritos do Cristo Redentor, e não enquanto plena aceitação da Revelação de Deus sob impulso da graça. As boas obras – o jejum, a oração, a esmola, a penitência, a mortificação – não contribuem para a salvação, antes são sinais de fé. Exprime Lutero desta forma seu pensamento de modo categórico: “Peca fortemenTe e crê mais fortemente ainda, e tu serás salvo”.

b) Sola gratia: com sua natureza sem liberdade moral, o homem pe radicalmente incapaz de contribuir à salvação; Deus obra sozinho, o homem permanece passivo.

c) Solus Deus: opera Deus sozinho nossa salvação; não há mediação da Igreja, do magistério ou do sacerdócio, menos ainda intercessão dos santos, por exemplo o da Santíssima Virgem. Se o homem não diligencia para sua própria salvação, como poderia obrar para a do próximo?



d) Sola scriptura: porque é impossível um magistério que exponha a Revelação de Deus, não pode existir Tradição como fonte da Revelação; porque Deus faz tudo, ilumina diretamente a alma dos crentes para que possam compreender a Santa Escritura, que contém toda a Revelação.

3. Destes 4 soli decorre o sistema protestante:

a) A estrutura da Igreja: Não constitui um corpo vivo a dar a salvação às almas, mas não passa de um serviço de caridade cuja hierarquia dá ensanchas à uma democratização: todos somos povo de Deus, o sacerdócio ministerial absorve-se no sacerdócio geral dos fiéis.

b) A fé e seu conteúdo; axiomas filosóficos. A Igreja e os santos, em particular a Santíssima Virgem Maria, devem dar lugar a um falso cristocentrismo. Por um lado, cada fiel pode ler a Santa Escritura e interpretá-la sob inspiração do Espírito Santo; por outro lado, depara-se com uma multidão de diferentes confissões – a Igreja, enquanto única vida de salvação, há de ser substituida pela multidão das confissões e modalidades de fé, o magistério pelo trabalho dos teólogos, sob influxo da exegese liberal e da “Formengeschichte”.



Se não se encontra explícita na Santa Escritura uma tradição, ela não pode existir.

O livre exame deve substituir a lei da fé; força é abandonar a idéia do estado católico, pois que contradiz o livre arbítrio; decorre daí a exigência da liberdade religiosa.

A ordem objetiva cede lugar ao subjetivismo e ao individualismo, o bem comum à realização epssoal, i. é, ao personalismo.

A Igreja deve abandonar o poder temporal e a dominação; deve sobretudo abandonar o Estado Católico enquanto fato, pois que se opõe á propagação do protestantismo.

O laço harmonioso entre a natureza e a graça não se mantém. No protestantismo, existe uma oscilação entre, por um lado, o fideísmo (Karl Barth) e, por outro lado, o racionalismo (Bultmann) e o naturalismo com a laicisação da sociedade.

Há mister de abandonar a romanidade expressa na língua latina, o Romano Pontífice e a Cúria, orientando-se em direção a Igrejas nacionais.

Igualmente, há de se rejeitar a escolástica, sistema esclerosado oposto ao Evangelho vivo.



c) O culto: acento na palavra e na Eucaristia-refeição, abandono da idéia de sacrifício expiatório: a liturgia não é culto, é antes instrução e assunto de toda a comunidade.

Demais, há necessidade de retorno a formas de culto mais simples, abandonando o triunfalismo.


II. PRESENÇA DOS PROTESTANTES NO CONCÍLIO VATICANO II

Era da responsabilidade do Secretariado para a Unidade dos Cristãos, sob o cardeal Bea, preparar os convites para o Concílio às “Igrejas” não católicas, comunidades eclesiásticas, observadores e delegados, enviando os convites em nome do Papa[1]. Encontravam-se na primeira sessão do Concílio os seguintes representantes do protestantismo:

- Comundiade anglicana: 3 representantes;

- Aliança Mundial Luterana: 3 representantes;

- Aliança Mundial da Igreja Reformada, Igreja Presbiteriana: 3 representantes;

- Igreja Evangélica Alemã: 1 representante;

- Convenção Mundial das Igrejas de Cristo: 1 representante;

- Friend’s World Committee for Consultation (Quakers) : 1 representante;

- International Congregation Council: 2 representantes;

- Conselho Mundial Metodista: 3 representantes;

- Conselho Ecumênico das Igrejas de Genebra: 1 representante;

- Associação Internacional para o Cristianismo Liberal e a Liberdade Religiosa: 2 representantes;

Demais, participaram outros convidados do Secretariado para a Unidade: Roger Schutz, prior da comundiade protestante de Taizé e seu confrade Max Thurian; o Pr. Cullmann, da Universidade de Bâle e de Paris; o Pr. Berghauer, da Universidade Protestante de Amsterdan. Em suma, um total de 23 representantes.

Na carta-convite definem-se os estatutos e os papéis na forma seguinte:

a) “Os observadores fornecessem às Igrejas separadas de Roma informações sobre o Concílio;

b) Eles podem participar das sessões públicas e das sessões gerais fechadas, nas quais se discutem os decretos do Concílio; não participam das sessões das Comissões, salvo em casos particulares e com permissão especial;

c) Não têm direito à palavra nem ao voto;

d) O Secretariado para a Unidade dos Cristãos serve de intermediário entre os organismos do Concílio e os observadores para transmitir a estes as informações necessárias, a fim de que possam com mais facilidade e eficácia acompanhar os trabalhos do Concílio. Demais, organiza as entrevistas com pessoas de escol, por exemplo os padres do Concílio acerca dos temas ali discutidos.

Temos agora a presença viva dos protestantes. Já estavam presentes no Concílio de forma indireta por meio dos padres e teólogos que sabiam há muito cooptados a suas idéias, representando-os mais ou menos abertamente: os cardeais Bea, König, Frings, Döpfner, Liénart, Alfrink; especialistas como Rahner, Hans Küng, Edouard Schillebeeckx, Congar.


Alguns trechos das obras de Congar servem-nos de prova[2]:

“Em Saulchoir, tinham interesse por Lutero, de forma bem diferente da de Denifle ou Grisar. Durante uma segunda estada na Alemanha, visitei os lugares marcantes do luteranismo, os quais me atraiam”. Devota grande admiração ao reformador: “Lutero é dos maiores gênios religiosos de toda a história. Ponho-lhe neste quesito no mesmo patamar de Santo Agostinho, Santo Tomás de Aquino ou Pascal. De certo modo, é ele ainda maior. Repensou todo o cristianismo. Lutero fora um homem de Igreja.” Donde vem tal admiração por um homem cujo gênio era o de destruição? Vem de que Lutero “era incapaz de receber algo que não viesse de sua própria experiência.” [...]


Citemos ainda o cardeal Ratzinger, grande admirador de Karl Barth. Em 1986, numa carta à Theologische Quartalsschrift, Tübingen, escrevera isto:

“ [...] De várias maneiras, não se deve considerar um bem para a Igreja Católica, na Alemanha e fora dela, o fato de que a seus flancos existisse o protestantismo e sua liberdade e piedade, seus conflitos e a grande exigência espiritual? [3]”

Anos mais tarde, ele concelebrará em Haburgo as vésperas com a Sra. Jespen, bispa protestante!

III. A INFLUÊNCIA DOS PROTESTANTES SOBRE O CONCÍLIO

Com tamanha presença de protestantes no Concílio – presenças direta e indireta – como espantar-se da influência sobre o Concílio e seus documentos? Citemos-lhe alguns para fundamentar a afirmação:

1. O decreto “Sacrosanctum Concilium” sobre liturgia



Já no artigo 5, encontramos a noção de mistério pascal, que põe a tônica da Redenção na Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo e arrefece a realidade do sacrifício expiatório da liturgia.



No artigo 6, mencionam o mistério pascal duas vezes.



No artigo 7, equiparam a presença do Cristo na Santa Missa e na substância transubstanciada com a presença no ministro da ação litúrgica, na virtude dos sacramentos, na palavra, ou com a presença que há onde duas ou três pessoas estiverem reunidas em seu nome. Uma tal ordem de coisas é um empréstimo manifesto dos protestantes.



No artigo 22, há clara descentralização da competência, em matéria litúrgica: a partir de agora é o bispo local, e sobretudo a conferência episcopal as estâncias decisórias.



Nos artigos 24 e 51, fala-se da grande importância da Santa Escritura na liturgia.



Convida o artigo 34 à reforma dos ritos para que observem o esplendor em nobre simplicidade, e sejam limpos de repetições. Vemos aqui claramente a influência racionalista e antiliturgista – já que a liturgia vive de repetições, como vemos por exemplo nos ritos da Igreja do Oriente, nas ladainhas e no rosário.



Os de número 36 e 54 versam da introdução da língua vernacular na liturgia, sem dar os precisos limites para ela na Santa Missa.



No artigo 37, distinguimos já a inculturação e a presumida unidade na pluralidade litúrgica, logo um distanciamento da verdadeira unidade da Igreja e antes de tudo do espírito romano.



O artigo 47 não se vale, na designação do Santo Sacrifício da Missa, nem da noção de “representatio” do Concílio de Trento, nem da de “renovação” dos últimos Papas, mas antes de uma “duração”. Em linguagem ecumênica, o sacrifício e o sacramento são nomeados como um só.



Sugere o artigo 55 dar em certas ocasiões a Eucaristia sob as duas espécies, à moda dos protestantes.



O artigo 81 exige a supressão do sombrio pensamento acerca da morte, em favor de outras cores litúrgicas diferentes do negro. Ora, uma orientação que tal vai ao encontro do aplauso dos protestantes, que não conhecem nem purgatório, nem oração dos defuntos.



Num lanço d’olhos sobre tal esquema, constata-se o espírito racionalista, antilitúrgico e anti-romano, em tudo de mentalidade protestante.





2. A constituição dogmática sobre a Igreja “Lumen Gentium”



Para começar, diz o artigo 8 que a Igreja do Cristo “subsiste na Igreja Católica”, expressão nefasta e prenhe de conseqüências. Ora, é um pastor protestante, Schmitt, que propusera substituir o est de identificação entre a Igreja do Cristo e a Igreja Católica pela expressão relativista subsistit in.



No capítulo 2, artigos 4 a 16, fala-se, antes do mais, da Igreja enquanto povo de Deus, e tão-só no terceiro capítulo se fala da hierarquia, como se ela fosse o fruto da comunidade e um serviço para ela



No artigo 10, deduz-se do sacerdócio do Cristo o sacerdócio comum dos batizados, e apenas depois o sacerdócio ministerial.



No artigo 21, o sacramento da Ordem se não concebe desde o Santo Sacrifício da Missa, mas da prédica e da administração dos sacramentos.



O pior atentado contra o primado papal aparece no artigo 22, com a afirmação da dupla autoridade da Igreja: dum lado Pedro, doutro o colégio dos bispos com e sob Pedro. Felizmente, corrigiram este erro gravíssimo na “nota prævia explicativa” acrescentada ao texto mesmo do Concílio, mas nem o novo direito canônico, nem o catecismo da Igreja Católica e seu Compendium repisaram a nota.



Concede o artigo 26 o diaconato permanente a homens casados. Fendeu-se pois o bastião do celibato eclesiástico, que nos distingue visivelmente dos protestantes.



O inteiro teor do quarto capítulo, i. é, os artigos 30 a 38, versa dos laicos antes de mencionar os religiosos, de que tratam apenas no quinto capítulo. O protestantismo detesta a vida consagrada, em particular a vida contemplativa.



Aceitou o Concílio as graves restrições de Karl Rahner e dos senhores Raztzinger, Grillmeier e Semmelroth contra um esquema próprio sobre a Santíssima Virgem. As explicações acerca da Santíssima Virgem encontram-se agora no capítulo 8 da constituição sobre a Igreja, onde omite-se deliberadamente o título de “co-redentora”; não reconheceram ainda à Santíssima Virgem o de ‘mediadora”, cuja utilização apenas se menciona.






3. O decreto sobre o exumenismo “Unitatis redintegratio”.



A princípio, notemos que a noção de ecumenismo vem do protestantismo, em que se observa esforços ecumênicos já no séc. XIX para remediar sua dilaceração insolúvel.



Diz o artigo 3 que as comunidades separadas da Igreja Católica não estão em comunhão plena com a Igreja, mas intentam mesmo assim que exista uma como continuidade de comunhão, pois que os fiéis se justificam no batismo, incorporando-se ao Cristo. Por isso, diz o decreto, reconhecem-nos a justo título como irmãos no Senhor. Cabe a cada qual uma parcela de culpa na separação. A afirmação de que pertencem de jure à Igreja Católica os elementos de santificação nestas comunidades é uma melhoria inserida pelo Papa pouco antes da publicação do decreto.



No parágrafo 4º, diz-se que estas comunidades, enquanto tais, são meios de salvação, significando isso duas coisas:




1) elas são importantes para a salvação de seus membros;

2) em geral, possuem uma função soteriológico-histórica.



Essas afirmações relativistas estão entre as piores do Concílio como um todo.



No artigo 4 estatui-se que o trabalho ecumênico não se relaciona com o favorecimento das conversões individuais; encontra-se afirmação semelhante na Constituição sobre a Igreja, artigo 9, finis. Substituem assim a missão que legou Jesus Cristo pelo esforço de coexistência pacifica entre todas as denominações e religiões, à moda protestante.



O artigo 7 revela-nos que não há ecumenismo verdadeiro sem conversão interior, desta feita mistura-se ortodoxia e ortopraxia, o lado objetivo e o subjetivo.



O artigo 8 não só permite a oração em comum com os “irmãos separados”, mas a recomenda explicitamente, como testemunho qualificado dos laços existentes.



Exige o artigo 10 o ensinamento da teologia sob o ângulo ecumênico, em particular no que tange à história. Deste modo, a teologia controversista e apologética contra o protestantismo está condenada à morte.



No artigo 11 depara-se com a afirmação nefasta da hierarquia das verdades. É forçoso sublinhar que esta expressão ambígua clarificou-se em 1973, por obra do Santo Ofício, em sentido católico. Não quer ela dizer que uma verdade é mais importante que outra, mas que uma é base da outra.



Apesar de no artigo 21 apresentarem a Santa Escritura como instrumento excelente para o diálogo, há de se perguntar de que modo se deve conduzir este diálogo com os subjetivistas protestantes, em que cada um é seu próprio magistério. Demais, neste artigo conferiram ao magistério autêntico um papel restrito, não constituindo mais a norma para o cânon e a interpretação da Santa Escritura.



No artigo 22 atribui-se à ceia protestante, não obstante a ausência do sacramento da Ordem, um certo valor positivo.



É de se notar também que não tratam da questão dos casamentos mistos, deixando de ensinar aos católicos que tais matrimônios só se contraem perante um padre católico, que devem batizar os filhos na Igreja Católica e educá-los nesta fé.





4. A constituição dogmática sobre a Revelação Divina “Dei Verbum”


Esta constituição abandona a doutrina católica das duas fontes da Revelação, para aproximar-se do sola scriptura dos protestantes. Apresentam-nos de imediato no capítulo 1 a Revelação não mais como comunicação das verdades sobre Deus e suas intenções salvíficas, mas como auto-comunicação de Deus; nisto põem em evidência a passagem da perspectiva objetiva à perspectiva subjetiva.



No artigo 5, descrevem a fé como encontro pessoal com Deus, e dom do homem para com Ele; não se deveria mais considerar a tradição como complemento quantitativo e material da Escritura. Ela teria apenas uma dupla função de reconhecimento do teor do cânon e certidão da revelação. De modo ambíguo, não apresentam o magistério abaixo da palavra de Deus, senão que a seu serviço.



Reconhece-se fortemente no artigo 12 a exegese moderna com sua “Formengeschichte”, embebida no espírito protestante de Bultmann. Não mais se atribui à Santa Escritura a inerrância, mas só dizem que ela ensina a verdade.



O artigo 19 fala que os Evangelhos oferecem o veraz e o sincero – no texto originam, acrecentaram: “alimentados pela força criativa da comunidade primitiva”, suprimido após o protesto de muitos dos Padres do Concílio. Na 2ª frase deste artigo, assume o Concílio sem meias palavras a exegese moderna: os apóstolos pregavam uma compreensão mais plena do Cristo, os redatores dos Evangelhos “redigiram” o material desta prédica, i. é., material que eles selecionaram, resumiram e atualizaram.



No artigo 22, encorajam-se as traduções ecumênicas da Bíblia, traduções estas que, de fato, são as utilizadas hoje em dia. Todavia, há mister de se perguntar como, em textos que tais, se formula e comenta a Anunciação de Maria; o mesmo vale para os irmãos de Jesus, e para Mateus 16, 18[4].





5. A constituição pastoral “Gaudium et Spes”.


Dela só veremos acerca da inversão dos fins do casamento, nos números 49 e 50. As conferências episcopais da Alemanha e da Áustria declararam, à guisa de comentário, que é a consciência dos esposos que constitui a norma suprema, em vez de dizer que a norma suprema é a doutrina da Igreja, e a consciência pessoal só se pronuncia na aplicação.





6. O decreto acerca da responsabilidade pastoral dos bispos da Igreja “Christus Dominus”.



Atribui-se no artigo 38 à Conferência Episcopal, em todos os casos, um direito que é obrigação. Assim, abre-se a porta à democratização e à descentralização.





7. Decreto sbre o ministério e a vida dos padres “Presbyterorum ordinis”.



No artigo 2, dá-se a primazia, como na Lumen Gentium, ao sacerdócio dos batizados, e somente após ao sacerdócio ministerial, como se o segundo emanasse do primeiro – isso é idéia protestante.





8. O decreto sobre a formação dos padres “Optatam totius”



No artigo 15, dá-se férias à “philosophia perennis”. Nos estudos, o procedimento não seria mais o analítico, antes o sintético; tem-se em conta apenas a gênese dos diferentes sistemas. Vemos aqui na raiz a passagem da ontologia e da metafísica em direção ao empirismo e a história da filosofia.





9. A declaração sobre a liberdade religiosa “Dignitatis humanae”



Foi de grande interesse para os protestantes esta declaração, e isto sob duplo aspecto, enquanto princípio e fato:



a) enquanto princípio, substitui a ordem objetiva pela livre consciência;

b) enquanto fato, abole os Estados Católicos, que serviam de entrave à penetração das seitas protestantes. Assim, vê-se o Conselho Mundial Ecumênico das Igrejas Protestantes, em Genebra, dirigir-se à presidência do Concílio, em setembro de 1965, pouco antes da quarta e última sessão, para pedir com instância a proclamação da liberdade religiosa, o que se deu a 7 de setembro de 1965





IV. APRECIAÇÃO SOBRE A ATUAL SITUAÇÃO DA IGREJA



Uma influência tão maciça do protestantismo no Concílio só poderia resultar numa Igreja protestantizada.





1. A estrutura da Igreja



a) O poder central de Roma diminui consideravelmente, em favor das Conferências Episcopais, que cada vez mais se constituem em igrejas nacionais. O duplo poder da Igreja – por um lado o Papa, por outro os colégios de bispos com o Papa, como se depara na Lumen Gentium e na nota prævia explicativa, nota esta que evita o pior – reaparece nos cânones 336 (direito romano 1983), no Catecismo da Igreja Católica, nº 883, e no novo Compendium, questão nº 183.



Na encíclica Ut unum sit, de 25 de maio de 1995, o Papa João Paulo II diz o seguinte:



“ [...] O Espírito Santo nos dê a sua luz, e ilumine todos os pastores e os teólogos das nossas Igrejas, para que possamos procurar, evidentemente juntos, as formas mediante as quais este ministério possa realizar um serviço de amor, reconhecido por uns e por outros”[5]. (DC 18 de junho de 1995 n° 2118, p. 593 § 95)

b) Por onde se verifique a democratização ad Igreja, a começar nas paróquias, pelos conselhos paroquiais, nas dioceses, e até nos sínodos de bispos em Roma. Existe, de feto, uma hierarquia paralela.

c) É obvio que os inovadores desprezam o monaquismo. Nos Estados Unidos, a vida religiosa está em vias de desaparecer completamente. A vida consagrada se encontra, onde ainda ela existe, distentida no exercício das obras sociais. Nas orações festivas dos fundadores das Ordens, no Novo Ordo, faz-se silêncio sistemático da glória do fundador e da graça da fundação.



2. A fé

a) Hoje em dia, a fé na unidade e no caráter absoluto da Igreja está, até entre católicos, posta em xeque ou negada.

b) Introduziu-se um subjetivismo malicioso, não apenas na consciência geral, mas até nas dos católicos. O cardeal Ratzinger, na homilia de abertura do conclave, a 18 de abril, falou da “tirania do relativismo”. Ora, o ecumenismo é justamente o relativismo religioso.



c) Caso todos os fiéis, pela graça do batismo, estejam unidos entre si, duma vez por todas, como afirma o Papa João Paulo II, então a graça é inalienável, o que equivale à uma heresia. Ora, encontramos hoje na Igreja tal otimismo salvífico, que esquece totalmente o julgamento de Deus e a possibilidade de danação.



d) Na declaração comum sobre a justificação, de 31 de outubro de 1999, pretende-se que o homem seja pecador e santo ao mesmo tempo. Só há como fundamentar tal concepção na noção protestante da justificação.



e) Certos membros da hierarquia sentem falta dum espírito de secularização. Não foi Lutero o primeiro representante deste espírito? por exemplo, no axioma: “o casamento é um fato puramente secular”.



f) Mais importa a veracidade, a sinceridade, que a verdade. Há pois uma passagem da ordem ontológica à ordem moral. O cânone 844 do novo direito canônico é um reflexo disso: para conferir os sacramentos da Penitência, Extrema-Unção, Eucaristia a não-católicos, basta a crença nestes sacramentos. Como a Penitência e a Extrema-Unção não interessam aos protestantes, basta-lhes acreditar na presença real para comungar conosco. Não se exige mais a fé de adesão à toda a Revelação, mas apenas a sinceridade duma fé subjetiva.



g) A harmonia entre a graça e a natureza por todo lado está corrompida, assim como a identidade entre Jesus de Nazaré e o Cristo da Fé. O protestantismo, sempre a oscilar entre o racionalismo e o fideísmo, nega – mormente seus teólogos – a divindade do Cristo. Para os fideístas, a religião não passa de sentimento que se diversifica em mil tipos de pentencostalismos. Nesta mesma ordem, o bem comum dá lugar à auto-realização.



h) Em espiritualidade, há um distanciamento notável do espírito de sacrifício, de penitência e de oração.



i) A devoção à Santíssima Virgem e os Santos está quase que completamente enquadrada do espírito moderno.





3. O culto



As três realidades ontologicamente ligadas entre si, a saber, o altar, o Sacrifício e o pader, são substituídas por três outras realidades também ligadas entre si: a mesa, a refeição, o presidente.



A primeira versão da definição da missa, no Novus Ordo Missae, definição em tudo protestante, encontra-se exatamente na mesma linha do nº 7 da Constituição sobre a Liturgia Sacrosanctum Conclilium. Na nova liturgia, fala-se muito, mas os aspectos da oração, do sacrifício e do culto diminuíram deveras.





CONCLUSÃO



Segundo a enciclopédia do ano 2000, há atualmente no mundo 33.820 denominações protestantes diferentes. No fundo, teria de dizer que existem tantas denominações quantos protestantes, pois que cada qual é seu próprio magistério e pastor. Com o Concílio, e após ele, assumiu a Igreja de tal forma os postulados protestantes que ela mesma está quase a tomar o caminho da autodissolução. Que o Senhor da Igreja faça-nos a graça duma reforma rápida e enérgica, uma reforma in capite membris, conforme o exemplo do Concílio de Trento.



Dizia hà pouco um prelado da Cúria Romana que deste Concílio só uma coisa restava: uma grande confusão. O cardeal Stickler dizia-se que um dia seriam obrigados a fazer uma revisão do Concílio, e nossa Fraternidade poderia contribuir nela. Estes simpósios, organizados aqui em Paris, são uma magnífica ocasião de pôr mãos à obra.



Tradução: Permanência