sábado, 4 de julho de 2009

BASTA‑TE A MINHA GRAÇA

– O Senhor presta‑nos a sua ajuda para superarmos os obstáculos, as tentações e as dificuldades.

– Se quiseres, podes.

– Os meios que devemos empregar nas tentações.

I. NA SEGUNDA LEITURA1 da Missa, São Paulo revela‑nos a sua profunda humildade. Depois de falar aos fiéis de Corinto dos seus trabalhos por Cristo e das visões e revelações que o Senhor lhe concedeu, declara‑lhes também a sua debilidade: Para que não me ensoberbeça, foi‑me dado um aguilhão na carne, um anjo de Satanás, que me esbofeteia para que eu não me exalte.

Não sabemos com certeza a que se refere São Paulo quando fala desse aguilhão da carne. Alguns Padres (Santo Agostinho) pensam que se tratava de uma doença física particularmente dolorosa; outros (São João Crisóstomo) acham que se referia às tribulações que lhe causavam as contínuas perseguições que o atingiam; alguns (São Gregório Magno) julgam que aludia a tentações especialmente difíceis de repelir2. Seja como for, tratava‑se de alguma coisa que humilhava o Apóstolo, que entravava de certo modo a sua tarefa de evangelizador.

São Paulo pediu ao Senhor por três vezes que retirasse dele esse obstáculo. E recebeu esta sublime resposta: Basta‑te a minha graça, pois a força resplandece na fraqueza. Para superar essa dificuldade, bastava‑lhe a ajuda de Deus, e, além disso, ela servia para manifestar o poder divino que lhe permitiria vencê‑la. Ao contar com a ajuda de Deus, tornava‑se mais forte, e isso fê‑lo exclamar: Por isso glorio‑me com muito gosto nas minhas fraquezas, nos opróbrios, nas necessidades, nas perseguições e angústias, por Cristo; pois, quando sou fraco, então sou forte. Na nossa fraqueza, experimentamos constantemente a necessidade de recorrer a Deus e à fortaleza que nos vem dEle. Quantas vezes o Senhor nos terá dito na intimidade do nosso coração: Basta‑te a minha graça, tens a minha ajuda para venceres nas provas e dificuldades!

Pode ser que, de vez em quando, a solidão, a fraqueza ou a tribulação nos atinjam de um modo particularmente vivo e doloroso: “Procura então o apoio dAquele que morreu e ressuscitou. Procura para ti abrigo nas chagas das suas mãos, dos seus pés, do seu lado aberto. E renovar‑se‑á a tua vontade de recomeçar, e reempreenderás o caminho com maior decisão e eficácia”3.

Por outro lado, as próprias dificuldades e fraquezas podem converter‑se num bem maior. São Tomás de Aquino, ao comentar essa passagem da Epístola de São Paulo, explica que Deus pode permitir algumas vezes certos males de ordem moral ou física para obter bens maiores ou mais necessários4. O Senhor nunca nos abandonará no meio das provações. A nossa própria debilidade ajuda‑nos a confiar mais, a procurar com maior presteza o refúgio divino, a pedir mais forças, a ser mais humildes: “Senhor, não te fies de mim! Eu, sim, é que me fio de Ti. E ao vislumbrarmos na nossa alma o amor, a compaixão, a ternura com que Cristo Jesus nos olha – porque Ele não nos abandona –, compreenderemos em toda a sua profundidade as palavras do Apóstolo: Virtus in infirmitate perficitur, a virtude se fortalece na fraqueza (2 Cor XII, 9); com fé no Senhor, apesar das nossas misérias – ou melhor, com as nossas misérias –, seremos fiéis ao nosso Pai‑Deus, e o poder divino brilhará, sustentando‑nos no meio da nossa fraqueza”5.

II. FOI‑ME DADO UM AGUILHÃO na carne, um anjo de Satanás que me esbofeteia... É como se São Paulo sentisse aqui, de uma maneira muito viva, as suas limitações, paralelamente à grandeza de Deus e da sua missão de Apóstolo que contemplara em diversas ocasiões. Por vezes, também nós podemos vislumbrar “metas generosas, metas de sinceridade, metas de perseverança..., e, não obstante, temos como que incrustada na alma, no mais profundo do que somos, uma espécie de raiz de debilidade, de falta de forças, de obscura impotência..., e isso nos deixa tristes e dizemos: não posso”6. Vemos o que o Senhor espera de nós em determinada situação ou em face de certas circunstâncias, mas talvez nos sintamos fracos ou cansados perante as provas e dificuldades que acarretam e que temos de superar:

“A inteligência – iluminada pela fé – mostra‑te claramente não só o caminho, mas a diferença entre a maneira heróica e a maneira estúpida de percorrê‑lo. Sobretudo, põe diante de ti a grandeza e a formosura divina das tarefas que a Trindade deixa em nossas mãos.

“O sentimento, pelo contrário, apega‑se a tudo o que desprezas, mesmo que continues a considerá‑lo desprezível. É como se mil e uma insignificâncias estivessem esperando qualquer oportunidade, e logo que a tua pobre vontade se debilita – por cansaço físico ou por perda de sentido sobrenatural –, essas ninharias se amontoam e se agitam na tua imaginação, até formarem uma montanha que te oprime e te desanima: as asperezas do trabalho; a resistência em obedecer; a falta de meios; os fogos de artifício de uma vida regalada; pequenas e grandes tentações repugnantes; rajadas de sentimentalismo; a fadiga; o sabor amargo da mediocridade espiritual... E, às vezes, também o medo: medo porque sabes que Deus te quer santo e não o és.

“Permite‑me que te fale com crueza. Sobram‑te «motivos» para voltar atrás, e falta‑te arrojo para corresponder à graça que Ele te concede, porque te chamou para seres outro Cristo, «ipse Christus!» – o próprio Cristo. Esqueceste a admoestação do Senhor ao Apóstolo: «Basta‑te a minha graça», que é uma confirmação de que, se quiseres, podes”7.

Basta‑te a minha graça. São palavras que o Senhor dirige hoje a cada um de nós para que nos enchamos de fortaleza ante as provas que tenhamos pela frente. A nossa própria fraqueza servirá para nos gloriarmos no poder de Cristo, ensinar‑nos‑á a amar e a sentir a necessidade de estar muito perto de Jesus. As próprias derrotas, os projetos inacabados, levar‑nos‑ão a exclamar: Quando sou fraco, então sou forte, porque Cristo está comigo.

Quando a tentação, os contratempos ou o cansaço se tornarem maiores, o demônio tratará de insinuar‑nos a desconfiança, o desânimo, o descaminho. Por isso, devemos hoje aprender a lição que São Paulo nos dá: nessas situações, Cristo está especialmente presente com a sua ajuda; basta que recorramos a Ele. E também poderemos dizer com o Apóstolo: Glorio‑me com muito gosto nas minhas fraquezas, nos opróbrios, nas necessidades, nas perseguições e angústias, por Cristo...

III. SERIA TEMERÁRIO desejar a tentação ou provocá‑la, mas também seria um erro temê‑la, como se o Senhor não nos fosse proporcionar a sua assistência para vencê‑la. Podemos considerar confiadamente como dirigidas a nós mesmos as palavras do Salmo: Porque ele mandou aos seus anjos que te guardassem em todos os teus caminhos. / Eles te sustentarão nas suas mãos, para que não tropeces em alguma pedra. / Pisarás sobre serpentes e víboras, calcarás aos pés o leão e o dragão. / Porque me amou, eu o livrarei; eu o defenderei, pois confessou o meu nome. / Quando me invocar, eu o atenderei; na tribulação, estarei com ele; hei de livrá‑lo e cobri‑lo de glória. / Favorecê‑lo‑ei com longa vida, e dar‑lhe‑ei a ver a minha salvação8.

Mas, ao mesmo tempo, o Senhor pede que estejamos prevenidos contra a tentação e que lancemos mão dos meios ao nosso alcance para vencê‑la: a oração e a mortificação voluntária; a fuga das ocasiões de pecado, pois aquele que ama o perigo, nele perecerá9; uma vida laboriosa de trabalho contínuo, pelo cumprimento exemplar dos deveres profissionais; um grande horror a todo o pecado, por pequeno que possa parecer; e, sobretudo, o esforço por crescer no amor a Cristo e a Santa Maria.

Combatemos com eficácia quando abrimos a alma de par em par ao diretor espiritual no momento em que começa a insinuar‑se a tentação da infidelidade, “pois manifestá‑la é já quase vencê‑la. Quem revela as suas tentações ao diretor espiritual pode estar certo de que Deus concede a este a graça necessária para dirigi‑lo bem [...].

“Não pensemos nunca que se combate a tentação discutindo com ela, nem sequer enfrentando‑a diretamente [...]. Mal se apresente, afastemos dela o olhar, para dirigi‑lo ao Senhor que vive dentro de nós e combate ao nosso lado, e que venceu o pecado; abracemo‑nos a Ele num ato de humilde submissão à sua vontade, de aceitação dessa cruz da tentação [...], de confiança nEle e de fé na sua proximidade, de súplica para que nos transmita a sua força. Deste modo, a tentação conduzir‑nos‑á à oração, à união com Deus e com Cristo: não será uma perda, mas um lucro. Deus faz concorrer todas as coisas para o bem dos que o amam (Rom 8, 28)”10.

Podemos tirar muito proveito das provas, tribulações e tentações, pois nelas demonstramos ao Senhor que precisamos dEle e o amamos. Elas avivarão o nosso amor e aumentarão as nossas virtudes, pois a ave não voa apenas pelo impulso das asas, mas também pela resistência do ar: de alguma maneira, precisamos dos obstáculos e das contrariedades para levantarmos vôo no amor. Quanto maior for a resistência do ambiente ou das nossas próprias fraquezas, mais ajudas e graças Deus nos dará. E a nossa Mãe do Céu estará sempre muito perto de nós nesses momentos de maior necessidade: não deixemos de recorrer à sua proteção maternal.

(1) 2 Cor 12, 7‑10; (2) cfr. Sagrada Bíblia, Epístolas de São Paulo aos Corintíos, EUNSA, Pamplona, 1984, vol. VII; (3) Josemaría Escrivá, Via Sacra, 2ª ed., Quadrante, São Paulo, 1986, XIIª est., n. 2; (4) São Tomás, Comentário à segunda carta aos Coríntios; (5) Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 194; (6) A. Garcia Dorronsoro, Apuntes de esperanza, Rialp, Madrid, 1974, pág. 123; (7) Josemaría Escrivá, Sulco, n. 166; (8) Sl 90, 11; (9) Eclo 3, 27; (10) B. Baur, Intimidade com Deus, pág. 121‑122.