quarta-feira, 26 de maio de 2010

S.Afonso de Ligório :O próprio Jesus Cristo diz que viera ao mundo para acender o fogo do amor divino85. Eis ao que o padre deve consagrar toda a sua vida e todas as suas forças. Não tem que trabalhar em adquirir tesouros, honras e bens terrenos, mas unicamente em ver a Deus amado de todos os homens.

III
Principais deveres do padre
Somos chamadas por Jesus Cristo, diz o autor da Obra imperfeita, não a procurar os
nossos próprios interesses, mas a glória de Deus... O amor verdadeiro não
se procura a si próprio; deseja em tudo andar à vontade do amado86. Na
antiga Lei disse o Senhor: Separei vos de todos os povos, para que fôsseis
meus87. Considerai estas palavras como dirigidas aos padres: Para que sejais
meus, inteiramente aplicados aos meus louvores, ao meu serviço e ao meu
amor; e, segundo S. Pedro Damião, para que sejais os cooperadores e
dispensadores dos meus sacramentos88; e segundo Sto Ambrósio: Para serdes
os guias e pastores do rebanho de Jesus Cristo89. Acrescenta o santo Doutor
que o ministro dos altares não é mais seu mas de Deus90. O próprio Senhor
diz que separa dos outros homens os padres, para os ter inteiramente unidos
a si91.
O divino Mestre disse: Se alguém me está associado, que me siga; = Si
quis mihi ministrat, me sequatur (Jo. 12, 26). Para seguir a Jesus Cristo, deve
o padre fugir do mundo, socorrer as almas, fazer amar a Deus, declarar guerra
ao pecado. Deve olhar como feitas a si as injúrias contra Deus: Caíram
sobre mim os ultrajes dos que vos ofendem92. Entregues aos negócios do
mundo, não podem os leigos render a Deus o tributo de homenagem e reconhecimento
que lhe é devido; por isso, diz um sábio autor, o Pe. Frassen, é
necessário escolher dentre os outros homens alguns que, pelo seu próprio
estado, sejam obrigados a prestar ao Senhor a honra que lhe pertence93.
Em todas as cortes dos soberanos, há ministros encarregados de fazer
observar as leis, remover os escândalos, reprimir os sediciosos e defender a
!!
honra do rei. Foi para os mesmos fins que o Senhor estabeleceu os sacerdotes:
são oficiais da sua corte. Isto fez dizer a S. Paulo: Mostremo-nos verdadeiros
ministros de Deus94. Estão os ministros sempre atentos a conciliar ao
seu soberano o respeito que lhe é devido, e engrandecer a sua glória. Falam
dele com veneração; se alguém o censura, logo o defendem com zelo; procuram
adivinhar-lhe os desejos, e até expõem a vida para lhe agradar.
É assim que procedem os padres para com Deus? Não há dúvida que
são ministros seus; é pelas suas mãos que passam e são tratados os negócios
que interessam à sua glória. É por intermédio deles que devem ser tirados
do mundo os pecados, — fim para que que Jesus Cristo quis morrer, diz
S. Paulo95. Mas, no dia do juízo, como serão reconhecidos por verdadeiros
ministros de Jesus Cristo esses padres que, longe de impedirem os pecados
dos outros, eles próprios são os primeiros a conjurar-se contra Jesus Cristo?
Que se diria dum ministro que se recusasse a vigiar pelos interesses do
seu rei, e se afastasse quando ele reclamasse o seu serviço? É que se diria
se este ministro falasse até contra o rei, e conspirasse para o destronar,
coligando-se com os seus inimigos?
Segundo o Apóstolo, são os sacerdotes embaixadores de Deus96; são
os cooperadores de Deus na salvação das almas97. Deu-lhes Jesus Cristo o
Espírito Santo, para que possam salvar as almas, absolvendo-as dos pecados98.
Donde conclui o teólogo Habert que o espírito sacerdotal consiste essencialmente
num zelo ardente, primeiro pela glória de Deus, e depois pela
salvação das almas99.
Não tem pois o padre que se ocupar das coisas do mundo, mas unicamente
dos interesses de Deus: = Constituitur in iis quae sunt ad Deum ( Hebr.
5, 1). Por esta razão, quis S. Silvestre que, para os eclesiásticos, os dias da
semana tivessem o nome de Férias, que quer dizer dias feriados, em que
não se cuida dos trabalhos ordinários100. Assim nos adverte que nós os padres
nos devemos empregar exclusivamente em servir a Deus e ganhar-lhe
almas, ocupação que S. Dionísio Areopagita chama o mais divino dos ministérios:
“Será perfeito o sacerdote se imitar a Deus, se se fizer cooperador de
Deus, que é a mais divina de todas as ocupações”101.
Segundo Sto. Antonino102, sacerdos significa sacra docens; e segundo
Honório d’Autun103, presbyter significa praebens iter. Assim, Sto. Ambrósio dá
aos padres o título de guias e pastores do rebanho de Jesus Cristo104. Por S.
Pedro é chamado o clero um sacerdócio real, uma nação santa, um povo de
conquista105, povo destinado a conquistar, — o quê? Almas e não riquezas,
conforme a reflexão de Sto. Ambrósio. Os próprios pagãos não queriam que
os seus sacerdotes se ocupassem senão do culto dos seus deuses; por isso
lhes era vedado o exercício de qualquer magistratura106.
Este pensamento fazia gemer S. Gregório, que dizia, falando dos padres:
“Devemos pôr de parte todos os negócios da terra, para só nos darmos
à causa de Deus; mas procedemos ao contrário: deixamos a causa de Deus
e só vivemos para os interesses terrenos”107. Moisés, estabelecido por Deus
para só cuidar das coisas da sua glória, aplicava-se a decidir pleitos, mas
Jetro advertiu-o e disse-lhe: Estás a gastar-te loucamente; deixa esse trabalho
para cuidares do povo e das coisas relativas a Deus108.
Que diria Jetro se visse os nossos padres feitos negociantes, servos dos
seculares, medianeiros de casamentos, e sem se importarem das obras de
Deus? Se os tivesse visto, como observa S. Próspero, empenhados em se
fazerem ricos, mas não melhores; em adquirirem mais honras, mas não mais
santidade?109
Ó, exclamava a este respeito o venerável João de Ávila, que abuso subordinar
o Céu à terra! Que miséria, ajunta S. Gregório, ver tantos padres
que procuram adquirir, não os merecimentos duma vida virtuosa, mas as
vantagens da vida presente!110 É porque, nas funções do seu ministério, não
intentam a glória de Deus, mas somente o lucro que auferem delas, diz Sto.
Isodoro de Pelusa111.
!"
85. Ignem veni mittere in terram; et quid volo, nisi ut accendaur (Luc. 12, 49).
86. Ideo vocati sumus a Christo, non ut operemur, quae ad nostrum pertinent usum, sed quae
ad gloriam Dei... Verus amor non quaerit quae sua sunt, sed ad libitum amati cuncta desiderat
perficere (Hom. 34).
87. Separavi vos a coeteris populis, ut essetis mei (Levit. 20, 26).
88. Sacramentorum Dei cooperatores et dispensatores (Opusc. 27, c. 3).
89. Duces et rectores gregis Christi (De dignit. sac. c. 2).
90. Verus minister altaris Deo, non sibi, natus est (In. Ps. 118, s. 8).
91. Separavit vos Deus Israël ab omni populo, et junxit sibi (Num. 16, 9).
92. Opprobria exprobantium tibi ceciderunt super me (Ps. 68, 10).
93. Fuit necessarium aliquos e populo selegi ac destinari, qui ad impendendum debitum Deo
cultum, et sui status obligatione et institutione, intenderent (Scotus acad. De Ord. d. 1, a. 1, q.
1).
94. Exhibeamus nosmetipsos sicut Dei ministros (2. Cor. 6, 4).
95. Crucifixus est, ut destruatur corpus peccati (Rom. 6, 6).
96. Pro Christo legatione fungimur (2. Cor. 5, 20).
97. Dei enim sumus adjutores (1. Cor. 3,9).
98. Insufflavit, et dixit eis: Accipite Spiritum S... (Jo. 20, 22).
99. Ingenium sacerdotale essentialiter consistit in ardenti studio promovendi gloriam Dei et
salutem proximi (De Ord. p. 3, c. 5, q. 3).
100. Quo significaretur quotidie clericos, abjecta caeterarum rerum cura, uni Deo prorsus
vacare debere (Breviar. 31 dec.).
101. In hoc sita est sacerdotis perfectio, ut ad divinam promoveatur imitationem, quodque
divinius est omnium, ipsius etiam Dei cooperatur existat (De Coelest. Hierarch. c. 3).
102. Summ. p. 3, tr. 14, c. 7, § 1.
103. Gemma an. l. 1, c. 181.
104. Duces et Rectores gregis Christi (De Dignit. sac. c. 2).
105. Regale sacerdotium, Gens sancta, Populus acquisitionis (1. Petr. 2, 9).
106. Officium quaestus, non pecuniarum, sed animarum (Serm. 78).
107. Dei causam relinquimus, et ad terrena negotia vacamus (In Evang. hom. 17).
108. Stulto labore consumeris... Esto tu populo in his quae ad Deum pertinent (Exod. 18, 18).
109. Non ut meliores, sed ut ditiores fiant, non ut sanctiores, sed ut honoratiores sint! (De Vita
cont. 1. 1, c. 21).
110. Non virtutum merita, sed subsidia vitae praesentis exquirunt! (Mor 1. 23, c. 26).